terça-feira, 24 de julho de 2012

BIOMineração

Biomineração usa bactérias e fungos para extrair metais

Com informações da Revista Unesp Ciência - 24/07/2012
Biomineração usa bactérias e fungos para extrair metais
Bactéria extremófila A. ferrooxidans em plena atividade de biomineração. [Imagem: Unesp Ciência]
Mineração biológica
O mundo não se pode dar ao luxo de abrir mão da mineração, que é um dos motores da economia global e que está na base de todas as demais indústrias.
Mas talvez possa ser possível fazê-la de uma forma mais eficiente.
É nessa direção que caminham os esforços de cientistas que pretendem substituir os métodos tradicionais da atividade mineradora por outros, que se aproveitam do trabalho silencioso e invisível dos micro-organismos, particularmente bactérias.
É a biomineração.
Bactérias naturalmente encontradas junto a grandes depósitos de cobre, níquel e ouro vêm sendo estudadas por cientistas como Denise Bevilaqua, do Instituto de Química da Unesp de Araraquara, que busca uma forma economicamente viável de extrair esses minerais da natureza, por meio de um processo conhecido como biolixiviação ou bio-hidrometalurgia.
Segundo a pesquisadora, a biomineração pode ser menos agressiva ao ambiente.
"A grande vantagem," afirma a pesquisadora, "é que na biomineração a liberação do material de interesse não exige queima, como nos métodos tradicionais [pirometalurgia], o que elimina a emissão de gases poluentes, como o monóxido de carbono e o óxido sulfuroso".
Biomineração de cobre
Os micro-organismos mineradores consomem substâncias conhecidas como sulfetos, e os convertem em ácido sulfúrico, que acaba tornando solúveis os minérios de interesse econômico. Estes, por sua vez, são recuperados posteriormente, na forma sólida.
"Cerca de 20% do cobre produzido no mundo já é extraído por biomineração, e boa parte dele vem do Chile, onde o processo está mais desenvolvido", diz Denise.
Lá, pesa ainda o fato de ser muito caro levar uma infraestrutura complexa até grandes altitudes, na região dos Andes. "Por isso os chilenos preferem carregar equipamentos mais simples usados na biolixiviação, que é feita in loco", acrescenta a pesquisadora.
Maior produtor mundial, o Chile foi responsável por 36% dos 16 milhões de toneladas de cobre comercializados em 2010, segundo o Grupo Internacional de Estudos sobre o Cobre (ICSG, na sigla em inglês). O Brasil é o 15º maior produtor mundial do metal, com produção estimada de 230 mil toneladas em 2010.
Biomineração usa bactérias e fungos para extrair metais
Amostra de calcopirita, mineral que é uma das principais fontes de extração do cobre. [Imagem: Unesp Ciência]
Resíduos e dejetos
Espera-se também que a biomineração aumente a eficiência do processo extrativo.
Os micróbios mineradores podem ser usados em materiais com baixo teor do metal de interesse, quando o custo de empregar as tecnologias atuais não compensa. Isso significa explorar depósitos que hoje são considerados economicamente inviáveis.
Usar a mão de obra invisível também é conveniente quando o substrato é complexo, porque aglutina diferentes tipos de minerais, o que hoje representa um desafio para a mineração tradicional.
Mas o melhor de se colocar as bactérias para trabalhar como mineiras é que elas conseguem retirar metais de resíduos e dejetos da indústria mineradora, fazendo ao mesmo tempo a extração do material de interesse econômico e o tratamento dos efluentes.
O grupo de pesquisa chefiado por Denise em Araraquara trabalha com a calcopirita (CuFeS2), o minério bruto de onde é extraído o cobre.
Apesar de abundante, a calcopirita não é o subtrato que mais facilita o trabalho bacteriano, por isso mesmo ninguém desenvolveu ainda um método de larga escala para biomineração.
A bactéria eleita para a tarefa chama-se Acidithiobacillus ferrooxidans.
Não tão amigável
Para que o processo possa ser colocado em prática, nem sempre será necessário que haja uma inoculação de bactérias no local.
O que pode ser feito é o despejo de um meio ótimo para que os micro-organismos já presentes naquele material cresçam e se desenvolvam satisfatoriamente.
Esse meio líquido seria despejado em uma pilha de minério, posta sobre uma camada impermeabilizante e ligada a um sistema de drenagem.
Em alguns casos, é realizada também a inoculação da linhagem desenvolvida, sempre em pilhas isoladas do restante da mina.
"É muito importante controlar o meio e impedir que ele vaze e alcance os rios, já que todo processo de extração mineral é contaminante", pondera Denise, ressaltando que a biolixiviação é um processo mais amigável ao ambiente que os usados tradicionalmente, mas não chega a ser tão amigo assim.
"É uma operação muito mais econômica e tem um gasto de energia bem menor, mas não deixa de degradar. Tem que arrancar a pedra, quebrar, explodir, não tem jeito."
Biomineração usa bactérias e fungos para extrair metais
Versão selvagem do fungo Aspergillus nidulans, que está sendo adaptado para exploração de terras raras. [Imagem: Unesp Ciência]
Terras raras
Mas nem só com bactérias se faz biomineração.
O grupo de pesquisa coordenado por Sandra Sponchiado, também do Instituto de Química de Araraquara, trabalha com fungos e já identificou em certas espécies o potencial para obter metais valiosos por meio da biossorção - nome dado aos processos em que um sólido de origem biológica retém certos tipos de metal.
Os metais em questão são as cobiçadas terras raras, elementos químicos do grupo dos lantanídeos - a penúltima linha da tabela periódica - que têm grande valor por serem matérias-primas de boa parte dos aparelhos de alta tecnologia desenvolvidos no Vale do Silício - smartphones e tablets, por exemplo.
Nesse caso, empregam-se os chamados fungos filamentosos pigmentados. Segundo Sandra, a presença dos pigmentos é justamente o que faz com que a biomassa produzida pelo fungo tenha grande capacidade de se ligar a metais.
O grupo de Sandra realizou um amplo estudo com diversas espécies de fungos, o que levou à escolha definitiva de um deles: o Cladosporium sp.
"A grande vantagem dos fungos é que podemos obter a biomassa com baixo custo. É muito barato cultivá-los", afirma a pesquisadora.
Atualmente ela trabalha com uma linhagem mutante da espécie Aspergillus nidulans, isolada em seu laboratório, cuja capacidade biossortiva está se mostrando superior à do Cladosporium.
"O intuito dessa pesquisa, na verdade, é fazer a extração desses metais contidos em resíduos industriais", diz Sandra. "Há resíduos com quantidades de terras raras que não podem mais ser retiradas por meio de processos químicos. Com o alto valor que esses metais possuem, uma biomassa de fungos que ainda consiga extrair mais um pouco pode ser uma possibilidade interessante".

terça-feira, 10 de julho de 2012

Como respirar arsênico (por pouco tempo)

Como respirar arsênico (por pouco tempo)


“O PROCESSO CIENTÍFICO É  naturalmente auto-corretivo, com cientistas tentando reproduzir resultados já publicados.”
Foi com o uso do corolário acima, conhecido por todo cientista, que a revista “Science” reconheceu  ontem que um das descobertas recentes mais intrigantes da biologia estava errada.
Em dezembro de 2010, Felisa Wolfe-Simon, do Instituto de Astrobiologia da Nasa, tinha apresentado ao público uma bactéria que não usava o elemento fósforo em seu metabolismo, pois o tinha substituido por arsênio, o componente central do veneno arsênico. A mera troca de um elemento pode soar irrelevante para leigos em bioquímica, mas se a cientista estivesse correta, a GFAJ-1, o micróbio encontrado no lago Mono, na Califórnia, seria único.
Até hoje, todos os organismos vivos conhecidos dependem crucialmente de seis elementos em seu metabolismo: oxigênio, carbono, hidrogênio, nitrogênio, enxofre e fósforo. Se este último pudesse ser trocado por arsênio, a compreensão de cientistas sobre as condições básicas para o surgimento da vida deveriam ser repensadas. Apelidada até de “bactéria extraterrestre”, a GFAJ-1 seria um sinal de que a vida poderia emergir em locais jamais imaginados.
A consagração, porém, durou muito pouco. O trabalho de Wolfe-Simon começou a ser atacado logo após a publicação, e outros biólogos a criticaram por ter sido apressada em tirar algumas conclusões. Rosie Redfield, da Universidade da Columbia Britânica, tentou reproduzir o experimento original feito pela cientista da Nasa, e obteve resultados diferentes. Esse e outros argumentos, porém, foram insuficientes para convencer a Nasa a retratar o estudo.
A edição desta semana da “Science”, porém, traz enfim não apenas um, mas dois estudos explicando o que estava errado no trabalho de Wolfe-Simon.
Um deles, liderado por Tobias Erb do ETH (Instituto Federal de Tecnologia da Suíça), em Zurique, mostra que apesar de a bactéria ser capaz de viver num meio altamente contaminado por arsênio, seu organismo precisa de um pouco de fósforo para sobreviver. A cientista da Nasa, portanto, havia concluído que o micróbio metabolizava arsênio sem ter a certeza de que não havia fósforo em suas amostras.
O outro estudo, liderado por Marshall Reaves, da Universidade de Princeton, contraria afirmações de Wolfe-Simon de que moléculas essenciais ao funcionamento dos organismos —como DNA e os lípídios das membranas celulares— poderiam trocar o fósforo por arsênio.
A vida, portanto, volta ao normal a partir de hoje.
A “Science” cumpriu seu papel ao buscar os melhores argumentos contra um estudo controverso e fez o certo em se esforçar para publicar os trabalhos que contrariam uma descoberta que ela própria tinha alardeado. Num caso desses, é a reputação da publicação que está em jogo, e os editores da revista se sairam da melhor forma possível.
Para Wolfe-Simon e para o Instituto de Astrobiologia da Nasa, porém, o futuro não será tão fácil. O erro talvez não seja feio o suficiente para que a cientista seja crucificada eticamente, mas, ao que tudo indica, errar foi um pecado menos grave do que insistir no erro. Pareceristas que lerem seus estudos futuros certamente terão cuidado redobrado antes de endossar suas conclusões.
A “Science”, para qualquer efeito, tentou resgatar aquilo de bom que sobrou do estudo original da pesquisadora, no comunicado que publicou domingo. Tecnicamente o estudo não foi retratado, e a revista reconhece o mérito de Wolfe-Simon de ter atentado para a importância da GFAJ-1, “um organismo de resistência extraordinária que deve ser de interesse em mais estudos, particularmente relacionados a mecanismos de tolerância ao arsênico”.


FONTE: http://teoriadetudo.blogfolha.uol.com.br/2012/07/09/como-respirar-arsenico-por-pouco-tempo/